Abandono paterno de crianças com deficiência: uma ferida social que exige urgência
O abandono paterno de crianças com deficiência é uma ferida aberta, silenciosa e brutal que a sociedade brasileira insiste em ignorar. Dados do Instituto Baresi revelam que cerca de 78% dos pais abandonam emocional ou financeiramente a família após o diagnóstico de uma deficiência ou doença rara no filho. Isso significa que, em quase 8 de cada 10 casos, a mulher é deixada sozinha para enfrentar um desafio que, por princípio, deveria ser compartilhado.
Esse fenômeno não é isolado nem recente. Ele escancara a estrutura machista de um país em que a responsabilidade pelo cuidado continua sendo atribuída exclusivamente às mulheres. O nascimento de uma criança com deficiência desorganiza a estrutura familiar tradicional — e, em muitos casos, expõe o quanto a paternidade ainda é frágil, condicional e, muitas vezes, covarde.
Por que tantos pais abandonam?
Há muitas camadas nessa resposta, mas algumas se repetem com frequência perturbadora: frustração pela quebra da expectativa idealizada de um filho "perfeito"; despreparo emocional para lidar com o diagnóstico; recusa em enfrentar a rotina de cuidados intensivos; e, em muitos casos, pura negligência afetiva mascarada de “incompatibilidade conjugal”.
O pai que abandona não desaparece apenas do convívio. Ele abandona também no plano emocional, financeiro e simbólico. Rompe o vínculo, recusa o dever e se exime da parte que lhe cabe, como se a deficiência justificasse a deserção.
As consequências do abandono
O impacto do abandono paterno sobre a mãe e a criança é devastador. A mulher passa a acumular múltiplos papéis: cuidadora, provedora, enfermeira, educadora, advogada, psicóloga e, quase sempre, sobrevivente.
O filho, por sua vez, cresce sentindo a ausência daquele que deveria protegê-lo. Muitas vezes internaliza esse abandono como rejeição pessoal, gerando traumas afetivos que reverberam por toda a vida. Em alguns casos, o abandono é tão completo que se reflete até mesmo no registro civil: em 2023, o Brasil teve mais de 172 mil crianças registradas sem o nome do pai — o maior número em sete anos.
Para piorar, o suporte público é precário. Benefícios como o BPC (Benefício de Prestação Continuada) ainda alcançam uma parcela reduzida das famílias que precisam. E o número de crianças com deficiência institucionalizadas por ausência de estrutura familiar adequada segue alarmante: mais de 5 mil vivem em instituições no Brasil, segundo dados da Human Rights Watch.
O abandono como violência invisível
Não se trata apenas de omissão. O abandono paterno, especialmente em casos de deficiência, é uma forma de violência institucionalizada, legitimada por uma cultura que ainda considera o pai como coadjuvante da parentalidade.
A mulher que permanece é celebrada como heroína, quando na verdade está exausta, sobrecarregada e frequentemente negligenciada pelo Estado, pela sociedade e até pela própria família. A romantização dessa resistência solitária apenas reforça a impunidade de quem abandona.
O que precisa mudar?
É urgente que o abandono paterno seja tratado como questão de saúde pública e justiça social. É necessário:
Aplicar com rigor as penalidades já previstas no Código Penal e no ECA para abandono material, afetivo e moral;
Criar políticas específicas de orientação, acompanhamento e responsabilização de pais diante de diagnósticos de deficiência;
Ampliar o acesso a benefícios, redes de apoio e acolhimento psicológico para mães solo de crianças com deficiência;
Estimular campanhas nacionais de conscientização sobre paternidade ativa e corresponsável.
Conclusão
O abandono paterno não é falha individual. É reflexo de uma cultura que ainda entende o homem como opcional no cuidado. E quando essa cultura se cruza com o desafio da deficiência, o resultado é um exército de mães solo lutando sozinhas por dignidade, inclusão e sobrevivência.
Enquanto não responsabilizarmos quem abandona, continuaremos condenando milhares de mulheres e crianças à invisibilidade. Não se trata de punição apenas — trata-se de justiça. De reconstruir o pacto social mais básico: o de que um filho, com ou sem deficiência, merece ser amado por inteiro — por quem o gerou.
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